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Foi com emoção que assisti ao vídeo de milhares de chilenos, no domingo 25 de outubro, festejando na Plaza Itália, em Santiago e cantando "Será mejor la vida que vendrá, a conquistar nuestra felicidad" uma das estrofes de melodia que marcou meses de manifestações. Passou pelo meu pensamento o processo constituinte brasileiro em 1987/88 que, sabem os que me conhecem, acompanhei.
Acabara de sair o resultado do plebiscito pelo qual o povo chileno resolveu superar a Constituição de 1980, redigida ainda no governo Pinochet, convocando a elaboração de nova Constituição para o país. Há um ano o Chile tem sido palco de grandes manifestações de inconformismo com a situação social, a previdência, a educação, as instituições e autoridades. Primeiro o governo de Sebastián Piñera reprimiu com a truculência de seus carabineiros, depois cedeu e foi tomando medidas conciliatórias até a realização da consulta sobre o futuro constitucional.
Os números são grandiosos, a maior participação dos eleitores chilenos numa votação desde a implantação do voto facultativo. E um resultado avassalador: 78,27% (5.886.421 eleitores) aprovando a elaboração de nova constituição e somente 21,73% (1.634.107) rechaçando. O plebiscito também oportunizou a decisão sobre o tipo de corpo constituinte: totalmente exclusivo (formado por eleitos que não poderão ser parlamentares ou terem outro mandato eletivo) ou misto (meio a meio entre os constituintes exclusivos e os parlamentares). A escolha foi pela "convención constitucional", exclusiva (78,99%) sobre a "convención mixta" (21,01% dos votos).
O povo chileno acaba de convocar o primeiro processo constituinte democrático do terceiro milênio. Alguém escreveu que será a primeira constituição pós-moderna. As atenções do mundo estarão voltadas para este pioneirismo que poderá indicar novas tendências da democracia no século 21, as quais ainda estão por serem bem definidas.
No dia 11 de abril de 2021, os chilenos elegerão 155 delegados, metade homens e metade mulheres. Quinze dias depois se instalará a convenção constituinte, que terá nove meses, prorrogáveis por mais três, para elaborar a nova Constituição, a qual precisará ser aprovada por dois terços dos membros. Um novo plebiscito decidirá se o povo aceita a Constituição assim redigida. Em 2022, o Chile, enfim, terá sua nova e democrática Constituição.
Trata-se de arrojado processo em ambiente psicossocial tenso e esperançoso e num país de intensa vida política. O Chile passou pela experiência socialista de Salvador Allende e um golpe militar com ascensão de repressora ditadura, redemocratizou-se com cautela e vinha sendo elogiado como exemplo neoliberal de sucesso econômico. Escondia um desastre social que fez eclodir a forte reação popular. Agora dá um passo irreversível com desafios e incertezas, mas uma enorme esperança de seu povo e intensa atenção do mundo.